É SEGUNDA-FEIRA À NOITE, 25 Março 2024, e Cecília Braga dos Santos está performando a apresentação sobre sua vida. Um auditório lotado bate palmas enquanto a sobrevivente de um AVC de 79 anos canta “Rosa Branca”, uma canção brasileira sobre sofrimento, amor e vida.
Dona Cecília teve um AVC enquanto estava fazendo aula de canto. Foi levada com urgência para o único hospital da sua cidade, onde os médicos lhe deram uma segunda oportunidade de vida. Esta noite tem a oportunidade de lhes agradecer, partilhando o seu dom no palco.
Ao seu lado, atrás de uma de uma série balões e vendo-a cantar com um sorriso no rosto, está o Dr. Diógenes Guimarães Zãn, para quem esta ocasião representa o auge da sua vida acadêmica e profissional.
Hoje, ele está mais feliz do que nunca, graças à conquista de “um título aparentemente impossível”.
“Este título não foi concedido a uma cidade com uma grande universidade ou com muitos recursos”, diz ele, numa tentativa de quantificar o seu significado. “Este título foi concedido a uma pequena cidade onde o único hospital é um hospital municipal sem grandes recursos que, através da organização dos processos de cuidado e do envolvimento das pessoas, conseguiu alcançar um título de gigantes.”
A pequena cidade com o título de gigante é Sapucaia do Sul, situada a 30 km a norte de Porto Alegre, no sul do Brasil, onde o Dr. Diógenes lidera a premiada equipe de AVC do Hospital Municipal Getúlio Vargas. Foi em grande parte graças ao seu entusiasmo em mudar o tratamento do AVC na sua cidade que a líder da equipe Angels, Kamila Fachola, escolheu Sapucaia do Sul para pilotar uma nova estratégia de transformação do tratamento do AVC.
Ela já havia convertido Ribeirão Preto, uma cidade de médio porte localizada no estado de São Paulo que tornou-se a primeira no mundo a ganhar o status de Cidade Angels. Para obter esta certificação, uma cidade tem de cumprir objetivos específicos relacionados à educação da população, transporte de emergência e cuidados agudos para o AVC. Como o Hospital Municipal Getúlio Vargas já era premiado pela WSO Angels Awards, Sapucaia do Sul estava a um terço do caminho. A boa vontade coletiva, a mobilização social, o apoio do governo local, um serviço pré-hospitalar de primeira linha e um neurologista apaixonado por gestão de processos, conhecedor de física newtoniana, levaram Sapucaia do Sul até a linha de chegada.
'Newton estava certo'
Diógenes Guimarães Zãn cresceu numa família humilde com uma sólida ética de trabalho. Quando era um adolescente apaixonado por livros, trabalhou num lava-jato, umaexperiência que o dotou da capacidade de lidar com todo o tipo de pessoas e lhedespertou o apetite por um trabalho bem feito.
A medicina foi “o sacerdócio que escolheu”, comprometendo-se a servir os doentes durante toda a vida. Após seis anos de estudos de medicina, três anos de neurologia, um ano de neurologia vascular, dois anos de neurorradiologia intervencionista e mais dois anos para obter o grau de mestre, ele não é apenas o primeiro médico da sua família, também é professor de medicina da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e neurologista e especialista em AVC do Hospital Municipal Getúlio Vargas, onde tornou-se coordenador da linha de ACV em Maio de 2021.
Entre 2018 e 2020, a taxa de mortalidade intra-hospitalar por AVC neste hospital atingiu um pico de acima de 15 por cento. No final de 2023, baixou para 6,2 por cento, resultado de um processo de formação e otimização de processos durante o qual o Dr. Diógenes aprendeu que o maior adversário da mudança era o descrito pela lei da inércia de Newton.
É o poder do teimoso “sempre foi assim”, diz ele. “Isaac Newton tinha razão quando afirmou que a tendência de qualquer objeto é manter o seu movimento ou permanecer em repouso. Modificar os processos hospitalares, convencer e encorajar as pessoas são fases muito difíceis de qualquer mudança positiva.”
Trabalhar com a Iniciativa Angels para reorganizar toda a rede de cuidados de saúde de uma cidade expandiu consideravelmente o sacerdócio, mas o Dr. Diógenes não estava sozinho. Entre os que abraçaram o projeto estava Letícia Santomé, coordenadora do serviço de emergência do SAMU, que durante 10 anos de enfermagem de emergência encontrou muitos pacientes com AVC que “a marcaram muito”.
Para que Sapucaia do Sul se tornasse uma Cidade Angels, o SAMU tinha que ser premiado com ouro no EMS Angels Awards e o primeiro problema que tiveram de enfrentar foi o fato de não saberem quão bons eram.
“Eu estava preocupada com os nossos dados”, diz Letícia. “Não estávamos mantendo registros precisos dos nossos casos e a nossa equipe precisava de mais conhecimentos sobre o papel fundamental que os cuidados pré-hospitalares têm nos resultados dos doentes com AVC."
“Realizamos uma reunião de equipe onde traçamos nossos novos objetivos de tempo de resposta, indicadores mais precisos e as informações que não podiam ser perdidas no momento dos cuidados. Foi necessário um mês para afinar os detalhes e uniformizar o serviço. A formação foi ministrada pelo Dr. Diógenes, que também promoveu a integração de todo o processo de atendimento ao paciente e facilitou a relação entre as instituições.
“Após um mês, uma análise dos dados e do processo confirmou que o atendimento aos pacientes acometidos por AVC se tornou mais rápido e eficaz.”
No final de 2023, o SAMU Sapucaia do Sul já sabia o quanto era bom, mas descobriu que era ainda melhor. Depois de submeterem os seus dados para pleitearam a premiação EMS Angels Awards, observaram que tinham ultrapassado o seu objetivo, juntando-se aos seus colegas de Ribeirão Preto como os únicos serviços pré-hospitalares no Brasil a cumprir os critérios para um prêmio diamante.
Uma noite de gigantes
Todos que ouviram Cecília Braga cantar nodia 25 de março ajudaram a transformar Sapucaia do Sul em uma Cidade Angels -inclusive aqueles responsáveis por mudar as leis, cujo apoio é indispensável à estratégia das Cidades dos Anjos.
O prefeito, Volmir Rodrigues, fez um discurso em que dedicou o prêmio àpopulação. A secretária municipal de Saúde, Flávia Motta, observou que o trabalho de pessoas de diferentes disciplinas em prol de um único objetivo permitiu que a cidade salvasse mais vidas. Djoidy Felipin, que coordena a secretaria de saúde, elogiou os professores e alunos da cidade por “se unirem em prol da vida”. A implementação do programa de educação escolar sobre AVC, Heróis FAST, passou a ser obrigatória para os alunos do terceiro ano da rede municipal e 200 professores já foram treinados para familiarizar cerca de 4 mil alunos com os sinais de AVC e a importância de ligar para o 192.
Estavam a testemunhar outra lei do movimento - o poder que se gera quando todos mudam de direção e aceleram em conjunto para um objetivo comum. Para produzir esse tipo de energia - o tipo que torna a mudança contagiosa - Dr. Diógenes utilizou seu conhecimento de gerenciamento de processos de negócios (BPM), uma disciplina pela qual ele é apaixonado.
O Hospital Municipal Getúlio Vargas não recebeu recursos adicionais para melhorar o atendimento ao AVC, diz ele. “O BPM fez a diferença porque envolve a economia de recursos por meio da otimização de processos que envolvem uma determinada finalidade. Processos e etapas que não são tão úteis ou que consomem mais tempo foram substituídos por outros mais simplificados, rápidos, assertivos e menos onerosos.”
A aplicação do BPM na organização do percurso do AVC é o tema da tese de doutorado do Dr. Diógenes, sob orientação da Profª Sheila Martins, presidente da WSO e fundadora da Rede Brasil AVC. Sheila Martins também orientou a tese de mestrado do Dr. Diógenes, e sua presença no auditório na noite mais feliz da vida do Dr. Diógenes foi de grande significado.
Por fim, e não menos importante, mais uma referência newtoniana: “Se eu vi mais longe do que os outros, foi por estar sobre os ombros de gigantes”.
