Ribeirão Preto é uma cidade de porte médio localizada no estado de São Paulo, Brasil, a quatro horas de carro do interior da capital do estado. É sede de uma das mais antigas escolas de samba do Brasil, da terceira maior casade ópera, de uma das mais antigas e importantes orquestras sinfónicas e de um dos mais belos campus universitários. Cerca de 700.000 pessoas vivem nesta cidade vibrante, com uma economia próspera e uma cultura animada de bares - o resultado de noites tropicais quentes que tentam as pessoas a saírem de casa.
Ribeirão Preto é também a primeira e até recentemente a única Cidade Angels do Brasil, uma distinção que ganhou no Dia Mundial do AVC de 2023, quando foi oficialmente nomeada uma cidade segura para o AVC. Existem agora duas cidades Angels no Brasil e, quando ler este artigo, haverá três ou talvez mais, à medida que a líder da equipe Angels Brasil, Kamila Fachola,desenvolve a estratégia que um dia fará parte do seu legado.
O conceito das Cidades Angels surgiu da constatação de que a jornada do paciente com AVC começa e termina na comunidade, não na ambulância ou na unidade de emergência. Para que os doentes com AVC tenham os melhores desfechos, sua cidade ou regiãotem de otimizar a prestação de cuidados em todas as fases do percurso. Isto significa: um público informado, capaz de reconhecer os sintomas do AVC, transporte de emergência para o hospital correto, tratamento agudo que atenda os padrões mais elevados e, finalmente, um sistema de alta que apoie a reintegração do doente na comunidade.
Kamila percebeu que uma transformação deste tipo, de ponta a ponta, exigiria umaestratégia feita à medida. “Temos trabalhado com os hospitais para melhorar os cuidados com o AVC, contatado os serviços de emergência médica e trabalhado com os professores sobre a campanha de sensibilização Heróis FAST, mas fizemos todas estas coisas separadamente, sem funcionarem em conjunto. Por isso, numa região, poderia haver uma ótima campanha de sensibilização, mas um hospital com um desempenho fraco, ou um hospital fantástico, mas o atendimento pré-hospitalar não era bom. Não fazia sentido abordá-los como projetos separados. Precisávamos implementar todos os nossos projetos em simultâneo e transformar todo o percurso para mudar realmente a realidade da população.”
Escolher a cidade certa
Se pedisse à Kamila dicas sobre como construir uma Cidade Angels, ela lhe daria três conselhos: o primeiro seria escolher a cidade certa. “Comece com as boas cidades”, diz ela. Trabalhar com uma cidade que já preenche pelo menos alguns dos critérios para se tornar uma Cidade Angels, “encolha a mudança” - uma tática emprestada da teoria da mudança Switch que motiva as pessoas a agir mostrando-lhes que a linha de chegada está mais perto do que pensavam.
Foi por essa razão que escolheu Ribeirão Preto para o seu projeto-piloto - uma cidade cujo hospital de referência em AVC, o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, já tinha dois prêmios WSO Angels Awards de ouro e atingiria a premiação de platina nos dois trimestres seguintes. Seu serviço pré-hospitalar, o SAMU de Ribeirão Preto, também era muito bom, embora precisassem ainda cumprir os critérios mínimos para a Cidade Angels, obtendo um prêmio de ouro no EMS Angels Awards. A sensibilização da população seria medida pela taxa de implementação do projeto Heróis FAST nas escolas de ensino fundamental da cidade. O progresso em relação à reabilitação seria mais difícil de quantificar, mas Ribeirão Preto já tinha uma grande organização onde os pacientes vítimas do AVC podiam acessar os serviços terapêuticos, por isso Kamila selecionou essa opção.
Mobilizar os políticos
Ribeirão Preto era a cidade certa por outro motivo - tinha um prefeito que entendia tanto os desafios quanto as oportunidades, e que estava entusiasmado em se tornar o chefe político de uma Cidade Angels. Quando soube que o AVC, e não as doenças cardíacas, era a maior causa de morte na região, concordou que a mudança era necessária e urgente.
“Tem de haver uma força política para que isto aconteça”, é o segundo conselho de Kamila. Os políticos eleitos são facilmente persuadidos pela perspectiva de deixarem um legado; e alcançar o reconhecimento à frente de outras cidades e regiões é uma imagem vencedora que funciona bem durante as eleições municipais.
Com a ajuda de um neurologista atrelado ao Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, foi marcada uma reunião com as partes interessadas, incluindo os diretores dos hospitais e do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, onde foi acordada a importância de ter um sistema integrado - e de ser reconhecido por isso.
Dê a partida
Além de levar o SAMU de Ribeirão Preto ao status de ouro no EMS Angels Awards, os critérios para Cidade Angels exigiam a implementação da campanha deconscientização Heróis FAST em toda a rede pública de ensino da cidade. O prefeito mais uma vez esteve à altura da ocasião - ele não apenas tornou obrigatória a implementação do Heróis FAST nas escolas públicas de ensino fundamental, mas assinou uma ordem que vincularia seus sucessores políticos a esse compromisso.
Ribeirão Preto tinha uma meta ambiciosa: alcançar o status de Cidade Angels em quatro meses. Fixar um prazo é o terceiro conselho de Kamila, e a cidade tinha escolhido um audacioso - a cerimônia que a tornaria uma cidade segura para o AVC teria lugar no Dia Mundial do AVC, dia 29 de outubro. Antes disso, o SAMU teria de recolher e comunicar os dados dos seus doentes com AVC do terceiro trimestre e a campanha Heróis FAST tinha de ser executada abrangendo de 4.000 crianças em 41 escolas.
Era um calendário apertado para todos, incluindo Kamila, que havia se comprometido a apoiar em cada passo do caminho e que agora viajaria para Ribeirão Preto todas as semanas.
Uma cidade segura para o AVC
Ninguém se surpreendeu quando o mês de outubro trouxe a notícia de que o SAMU de Ribeirão Preto havia ganhado não um prêmio de ouro, mas de diamante.
A comemoração no Dia Mundial do AVC foi grande, homenageando todos que ajudaram Ribeirão Preto a se tornar uma Cidade Angels. Mas o verdadeiro significado de ser uma cidade segura para o AVC revelou-se uma semana depois, quando uma criança pequena ligou para o 192.
“Estou aqui com a minha avó”, disse a menina à telefonista. “Acho que um coágulo está atacando a minha avó.”
Graças a sua pequena herói FAST, a doente foi rapidamente transportada para o hospital, onde foi imediatamente atendida pelo mesmo neurologista que tinha desempenhado um papel tão importante no projeto Cidade Angels. Apóso tratamento com trombólise e trombectomia mecânica, a avó recuperou-se e recebeu alta para uma comunidade preparada para apoiar a sua reabilitação.
Todos por um
O poder do projeto Cidade Angels reside no fato de estabelecer um objetivo a ser alcançado por todos, diz Kamila. “Se um não o fizer, então ninguém fará.”
A segunda cidade no Brasil a tornar-se oficialmente Cidade Angels foi Sapucaia do Sul, uma pequena cidade no estado do Rio Grande do Sul com apenas 200.000 habitantes e um único hospital que já preenchia todos os requisitos. A próxima na lista de Kamila era Curitiba, capital do estado do Paraná, no sul do Brasil, onde dois dos cinco hospitais de referência para AVC já tinham a premiação de ouro.
Curitiba tem sido reconhecida pelo seu desenvolvimento urbano sustentável; tem uma baixa taxa de criminalidade, é um atrativo para os investidores e foi nomeada (pela Reader's Digest) como a melhor “Cidade Grande Brasileira” para se viver.
Kamila já está pensando em como converter uma cidade ainda maior como São Paulo que, com mais de 12 milhões de habitantes, é a cidade mais populosa fora da Ásia.
“É possível mudar as grandes cidades”, pensa Kamila. Uma cidade de cada vez - é assim que se cria um planeta seguro para o AVC.